Era final da década de 70, perto das 21 horas, numa
sexta-feira, eu com 16 anos estava em casa debruçado sobre os livros e textos
escolares porque iria fazer provas de vestibular. Gostava de estudar na sala da
minha casa sentado à mesa ouvindo música num velho aparelho produzido aqui
mesmo na Zona Franca de Manaus. Como sempre fazia, mamãe passava, me olhava,
sorria e ia à cozinha, logo em seguida, voltava com um copo de leite e
biscoitos, avisando para eu não ir dormir muito tarde.
Eu tinha acabado de ler um texto e fazer as devidas
marcações e anotações quando um carro – uma Brasília vinho – chegou buzinando
em frente de casa. Era o meu amigo Carlos Itanajé*, também jovem e tido pelas
garotas como um galã. Itanajé, sorrindo, perguntou o que eu estava fazendo.
Estou estudando, respondi. E o meu amigo exclamou: - Pô, João, toda vez que eu
venho aqui você ta estudando, qual é?! Deixa de ser CDF, seu “nerd”!!! Vamos
dar um rolé e pegar umas garotas.
A rua da minha casa, a Visconde de Porto Alegre, no centro
da cidade, antigamente tinha mão dupla, hoje só tem mão no sentido de descida
em direção a Avenida Sete de Setembro que vem do “centrão”, parte boêmia do
centro da cidade, e vai na direção do bairro da Cachoeirinha. Itanajé, ao
contrário, estava subindo a Visconde em direção à rua Ramos Ferreira que tem
como sentido o “centrão”.
- Meu amigo, gostaria muito de ir nessa “barca”, mas estou
estudando desde cedo, já estou quase indo dormir, deixa pra próxima. -
Disse-lhe eu.
- Tu és muito leso, meu camarada. Olha que hoje é tudo por
minha conta. Vamos nessa, João. - Insistiu, Itanajé.
Não, não fui. Itanajé foi embora “cantando pneu”, e eu
voltei para os meus estudos. Três horas da madruga fui dormir.
Acordei por volta das 9 horas, tomei meu café, e saí à rua
para encontrar meus camaradas. Foi quando fiquei sabendo da notícia trágica. O
meu amigo Carlos Itanajé, por volta das 21:30 da noite, depois que passou em
minha casa, capotou com a Brasília na rua Ramos Ferreira, na descida da ladeira
conhecida como “buraco do pinto”, e morreu.
Este fato marcou a minha vida de três maneiras: A primeira é
a paranóia que fico quando alguém vem buscar os meus filhos para sair. A
segunda é a dúvida de que se eu estivesse junto com ele no carro como co-piloto
orientando-o, sendo a voz da moderação para que ele não corresse muito, o
acidente poderia não ter ocorrido. E, a terceira é de cunho moral: Quando você
tem um objetivo, uma meta a ser alcançada, não desvie, em hipótese alguma, do
seu caminho. Não seja um(a) “Maria/José vai com as(os) outras(os)”.
*Itanajé, do tupi: Ita, pedra; Najé, mágica. “Pedra Mágica”
De João Pinheiro Neto.