Fazia uma tarde quente no campus da Universidade Federal do Amazonas (1986), mais precisamente nos corredores do ICHL. Eu estava jogando conversa fora com amigos quando “ela” passou, bela e colorida, vestida à indiana com detalhes indígenas, tipo brinco de penas e colar de sementes; outra coisa que chamava atenção era o aroma natural de flores que exalava do seu corpinho e cabelos morenos. Instintivamente, sem querer querendo, arrisquei um “Que tarde maravilhosa traz-me tua presença”. O que veio em seguida junto com seu sorriso foram suas palavras que quase me derrubaram “Oi, Johnny, nunca é tarde para uma declaração de amor. O que vais fazer hoje à noite?” Respondi “estarei no DCE”, eu era diretor do Departamento de Ciências. E ela, “você não quer assistir um concerto de música clássica?”.
Sete horas em ponto ela passou para irmos ao concerto. Um saco para mim, naquele momento, o concerto de piano do maestro Santiago e sua esposa. Quando lhe sugeri que fossemos para outro lugar, “Tudo bem”, disse ela. Eu lhe falei “vou levar você para o meio do povo”, sempre gostei de ir onde o povo está; aquele que não faz parte da elite econômica e política do país, apesar de diretamente ser o protagonista da riqueza e da constituição do Parlamento.
Fomos ao Guadalajara, antigo ponto da boemia manauense, situado no bairro da Cachoeirinha. Depois de tomarmos três cervejas, foi a vez de ela pedir “vamos para outro lugar”. Sua presença, seu jeito e suas palavras inteligentes destoavam no ambiente, enquanto os meus já faziam parte daquela “bagaça”.
Perguntei “Para onde você quer ir?”. Ela, “Existem três lugares, a tua casa (eu morava numa república), a minha casa, ou um motel”. Claro que sugeri de imediato a casa dela; já que a república sempre cheia de colegas da faculdade, não daria certo; muito menos um motel, não tinha dinheiro para isso.
Quando chegamos a sua casa, morava ela e uma amiga que naquele momento estava ausente, fomos para a cozinha – o lugar especial de uma casa – tomar uma taça de vinho. Não sei, mas acho que o vinho tem certa magia para os amantes, que depois de um diálogo sobre “quem não sabe dar nada não sabe sentir nada” resolvemos ir para o quarto fazer amor.
Tudo nela me fascinava, mas eram aqueles óculos cobrindo seus olhos inteligentes que davam subsídios para minha imaginação sobre aquela intelectual. Suas teses de mestrado, doutorado, cursos de especialização, reciclagem em psiquiatria, para mim se concentravam naqueles óculos. Tudo estava lindo...
Estávamos nus na cama abraçados, mas eu não conseguia manter a ereção do meu pênis... Já estávamos desistindo, quando num gesto mecânico ela tirou os óculos, me encarou, e disse “acontece amor”. Foi naquele momento que tudo ficou mais claro “Puta que pariu!”, a visão dela sem os óculos a despiu para mim, foi aí que a vi, não como uma colega de discursos, debates e simpósios, mas uma mulher, simplesmente uma mulher, sedenta de amor, carinho e ternura. E..., eu tinha tudo isso ali para dar e receber.
De João Pinheiro Neto.