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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O QUE TORNA A VIDA HUMANA EXTRAORDINÁRIA

A vida não é um milagre, não é uma coisa sobrenatural, extraordinária. A vida é um processo essencial da matéria universal. Mas, não surge por espontaneidade, como num passe de mágica, nada disso, a vida só se realiza quando existem possibilidades concretas – físicas e químicas – para o seu aparecimento. Um exemplo disso é o nosso planeta Terra, que por bilhões de anos foi reunindo condições – a água, principalmente - para que a vida se processasse. Não digo nem a Terra, mas todo o sistema solar, pois, se não fosse a distância certa do Sol, nossa maior fonte de energia, nosso planeta seria quente ou frio demais, impossibilitando a vida.
Talvez possamos pensar, então, que a vida surge na Terra por acaso? Aí eu me lembro de uma frase de Albert Einstein, “Deus não joga dados com o mundo”, e isso quer dizer que existem leis no Universo, ou seja, “Deus é a lei e o legislador do Universo”. Para o professor, como ele gostava de ser chamado, Deus não é sobrenatural, mas “um Poder Superior que se revela no Universo”, e ainda diz, “aceito o mesmo Deus que Spinoza chama de Alma do Universo. Não aceito um Deus que se preocupe com as nossas necessidades pessoais”. Em suma pode-se entender que Deus se mostra no próprio Universo.
E a vida humana, o que há nela de extraordinária? Vejamos, o gênero humano passou por um processo evolutivo: (1) Há, aproximadamente, 4 milhões de anos vagavam por muitas regiões da África hominídeos (ancestrais da espécie humana) do gênero Australopithecus (andava sobre duas pernas, mas possuía braços longos para subir em árvores). Eles irão se dividir em várias espécies como Australopithecus anamensis, afarensis, africanus e garhi. (2) Por volta de 2,5 milhões de anos o gênero homo já tem representantes no planeta, como as espécies habilis (suas mãos tinham capacidade para manipular objetos com mais precisão) e rudolfensis. Eles se diferenciam do Australopithecus por ter uma caixa craniana maior para o cérebro, além de dentes molares e pré-molares menores. (3) E, por volta de 1,9 milhões de anos surge o Homo erectus (sua caixa craniana já tinha um tamanho mais próximo ao do homem moderno). Bem-sucedida, está espécie ira se manter na Terra por mais de 1,8 milhões de anos, chegando a ser contemporânea do Homo sapiens. Além da África, ocupou também a Ásia e possivelmente a Europa. (4) Perto dos 700 mil anos o Homo heidelbergensis se espalha pelo planeta. Na África, ele pode ter dado origem ao homem moderno; na Europa, a outra espécie: a dos neanderthais (baixo e atarracado, era bem adaptado para viver em regiões muito frias). (5) Há 200 mil anos atrás o homem de Neanderthal entra na corrida evolutiva tendo como adversário o Homo sapiens. Os neanderthais seriam derrotados provavelmente na disputa por alimentos e desaparecem da Terra. (6) Em torno de 50 mil anos o Homo sapiens já existia havia uns 150 mil anos, mas aqui ele passa a criar armas e ferramentas mais sofisticadas – o que pode tê-lo ajudado a superar os neanderthais. Hoje o homem moderno não parou de evoluir – por exemplo, o cérebro humano continua a crescer de geração em geração -, e toda essa atual revolução tecnológica que vivenciamos (tema para outra oportunidade) acabe em alguns milhares de anos, contribuindo para transformações mais aceleradas em nossas características biológicas e antropológicas.
Enfim, mas o que torna a vida humana extraordinária? Apesar de todo esse processo evolucionário representar, por si só, algo fantástico, não é isso que a torna extraordinária. O que torna a vida humana extraordinária é que toda essa evolução levou o homem desenvolver a capacidade racional de entender e construir valores éticos socialmente válidos que ao traduzirem-se em regras/normas/leis impõe limites aos seus instintos animais irracionais. Por isso, entendimentos como “não matar”, “não roubar”, “respeitar a criança, o jovem e os mais velhos”, “obedecer e respeitar o pai e a mãe”, “amar o próximo como a si mesmo”, antes de serem preceitos religiosos, são construções da natureza racional humana – reconhecendo aqui a importância de muitas religiões e crenças em fomentar e preservar conteúdos éticos e sociais. Muitas vezes, foi e é preciso conferir certo grau de autoridade para as leis elaboradas pelos homens, e para isso se coloca como criadas pelos próprios deuses, dando uma conotação divina, para que ninguém a conteste, pelo contrário, siga e a tema – em muitos tribunais do mundo se jura dizer a verdade colocando a mão sobre a Bíblia Sagrada. Como bem se expressou Einstein: “ninguém pode negar o fato de que Jesus existiu, nem que seus ensinamentos sejam belos. Ainda que alguns deles tenham sido proferidos antes, ninguém os expressou tão divinamente”. Significa dizer que o homem em sociedade elabora regras de conduta, de comportamento, para atuar em seu cotidiano, e que todos devem ao ter conhecimento delas de preservá-las, respeitá-las e segui-las para se estabelecer um bem comum. Ma estas mesmas regras sociais, elas não são imutáveis ou eternas, elas acompanham as mudanças historicamente determinadas. O que hoje é válido para muitos, amanhã pode não ser.
E a beleza disso tudo é que nós viemos do pó, tomamos conhecimento de nossa existência, superamos nosso ego, a nossa selvageria irracional – ou pelo menos estamos tentando -, a caminho de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária. É isso que torna a vida humana extraordinária, sabendo que um dia voltaremos ao pó, fazemos de nossa passagem pela vida a interação com a divindade, com a Alma do Universo.

Profº João Pinheiro Neto.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

INVASÃO DA REITORIA DA USP: O FIM DAS IDEOLOGIAS?

Em maio de 1968 estudantes franceses se rebelavam contra a ordem escolar daquele país, fato que permanece no imaginário social justamente por ter se convertido em símbolo de uma utopia. Queriam o impossível? Um poder jovem, uma sociedade sem autoridade, um mundo sem classes, justo e igualitário.
Outra data igualmente marcante foi quando em dezembro de 1989, na Alemanha, milhares de pessoas, muitos deles jovens estudantes, iniciaram a derrubada do Muro de Berlim colocando em xeque os regimes “comunistas” na URSS e no Leste Europeu, cujos países foram, nos anos seguintes, integrando-se ao mercado global. Para muitos a prova definitiva de que o modo de vida capitalista é universal, as disparidades sociais são naturais, as hierarquias são necessárias, as diferenças não são bem-vindas e o poder é legítimo porque é o poder estabelecido. Até um eufórico cientista político norte-americano – Francis Fukuyama – chegou a afirmar que estávamos diante do fim da História. Que não haveria, a partir daquele momento, alternativa à democracia neoliberal. Ela seria a última forma de governo humano.
Estes dois momentos acima citados refletem cada um no seu contexto, as transformações pelo qual passava o mundo: O primeiro, a luta daqueles que viam o sistema capitalista como decadente injusto e desumano, propondo como saída uma sociedade “anarquista” ou “socialista”. O segundo, aqueles que perceberam que o mundo d’antes sonhado se mostrou na realidade tão decadente injusto e desumano quanto o outro. Mas, também Fukuyama não está correto, pois o capitalismo - e o neoliberalismo - continua gerando mazelas que nos obriga sempre a buscarmos alternativas para este modo de vida.
Agora, outra data merece destaque aqui. Na semana passada, terça-feira dia 1º de novembro, um grupo de estudantes invadiu o prédio da Reitoria da Universidade de São Paulo (USP), inicialmente como uma reação à presença da polícia no Campus Universitário. Antes da invasão do prédio da reitoria, cerca de mil estudantes organizaram uma assembléia regada a maconha e cerveja para dar seqüência aos protestos que pedem a retirada dos policiais do perímetro do campus. Enquanto alunos esgoelavam frases como "Fora PM! Abaixo a repressão!" num microfone conectado a caixas de som, outros se sentavam no chão, bebiam e fumavam. Às 19h30 daquele dia, num gramado bem perto do lugar reservado aos oradores, e também nos mezaninos do prédio, dezenas de alunos esfarelavam maconha nas mãos, enrolavam cigarros e tragavam à vontade. A polícia não apareceu no local.
Apesar de o ministro Fernando Haddad afirmar que “a USP não pode ser tratada como se fosse a ‘cracolândia’” – região do Centro de São Paulo conhecida pela presença de usuários de crack -, era em que estava se transformando o campus. Não é só em torno do campus que se encontra a violência, o tráfico e o dependente químico. Dentro da própria universidade, como bem retratou o filme “Tropa de Elite”, existe o tráfico.
Resta saber o que motiva os líderes do grupo de estudantes, que hoje dia 9 de novembro foram presos e expulsos do prédio da Reitoria, a não aceitar a presença da polícia, que foi chamada para dar resposta aos assaltos e outros crimes que estavam acontecendo na Universidade.
Se o protesto estudantil estivesse acontecendo em outros tempos, como na ditadura militar pós 64, tudo se justificaria: os estudantes se organizavam em luta contra o autoritarismo antidemocrático de um governo militar. Mas o que observamos hoje é um grupo se utilizando de “velhas” palavras de ordem para justificar suas escolhas individuais. Os estudantes, assim como toda a sociedade, precisam ficar atentos aos novos mecanismos ideológicos de manipulação das massas.
Professor João Pinheiro Neto, o filho de dona Etelvina.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Acredito na liberdade de expressão. Não compactuo com qualquer tipo de censura. Por isso estudei filosofia. Se este diálogo com você excluísse a minha livre escolha de o que escrever, estaria fazendo outra coisa. Na condição de leitor, quando me sinto incomodado por alguma mensagem, considero que isso faz parte do jogo. Meu incomodo de ouvir não deve cercear o direito das outras pessoas. Eu posso sempre deixar de ler, ver ou ouvir. Mas não posso proibir outras pessoas de terem a mesma experiência e de eventualmente extraírem conclusões diferentes da minha.
Isso implica outra constatação: você e eu somos adultos responsáveis e podemos tomar conta de nós mesmos. Não precisamos de ninguém decidindo o que podemos ver, ler ou ouvir. Se você disser algo ofensivo, deve arcar com as conseqüências disso, inclusive legalmente. Mas você deve ter o direito de dizê-lo. E eu o direito de ouvi-lo, nem que seja para processá-lo logo em seguida. Não aceito ninguém regulando antecipadamente essa relação. Afinal, não há ninguém melhor do que eu mesmo para decidir o que posso ou não ouvir.
Recuso-me a fazer o papel de censor numa relação de comunicação em que pertence a você e não a mim decidir o que pode ler-ver-ouvir. Penso que você é inteligente o bastante para discernir entre o que é bom e o que é ruim para si. Eu respeito muito a capacidade de todos de analisar e escolher o que bem quiser.
Você é livre, e por ser livre pode seguir ou não os conselhos da consciência. No entanto, lembre-se que as idéias nem sempre são suas, às vezes você defende posições de um grupo, classe ou doutrina acreditando que são suas. Sabe como é: pensar todo mundo pensa; mas refletir, pensar os seus pensamentos (por que penso assim e não de outro jeito?) nem todo mundo faz. Por isso, deixo a dica: reflita os seus pensamentos antes de agir, falar, ver ou escrever algo.

Pinheiro Neto. 

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A ATITUDE CRÍTICA DE KARL DAS DE JARÁCA OU "COÇATURÁ"

Outro dia numa grande conversa ouvi o "fisólofo" - termo para designar a filosofia anarquista amazônica - manau Karl Das de Jaráca afirmar categoricamente que não existe crítica construtiva, mas apenas crítica destrutiva, que uma tese implica uma tese contrária e desse embate surge uma nova tese, ou seja, é da porrada entre as teses que surge o novo. Que sacada maravilhosa! Penso que se estabeleceu uma relação semântica entre crítica e tese. Então, a crítica como uma apreciação minuciosa, um exame para verificar a perfeição e os defeitos, analisar com critérios o que se apresenta e se defende, às vezes perante uma banca examinadora em escolas superiores, são - a crítica e a tese - "farinha do mesmo saco".

Agora entendi porque alguns nativos chamam carinhosamente o nobre fisólofo pelo seu nome indígena Coçaturá, do tupi coça, pisa, bate, e de aturá, cesto, saco, que em português traduz-se "porrada no saco" e, outros o chamam "cumbuca de cana" (este relativo a um dos seus inúmeros hábitos, mas que aí é outra estória". O que interessa aqui é a sua postura "fisolófica" que faz escola na Amazônia, de que a tese/crítica é uma porrada, e como toda porrada bota pra quebrar, derruba, destrói, e claro que tudo isso na tentativa de se construir o novo, o melhor. Parodiando o alemão: "tudo que é sólido de desmancha na porrada".

A índia Chauí afirma que "a primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, um dizer não ao senso comum, ao preconceitos, aos pré-juízos, aos fatos e as idéias da experiência cotidiana, ao que todo mundo diz e pensa". Diz ainda que "a segunda característica da atitude filosófica é positiva , isto é, uma interrogação sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos". Portanto, a face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que chamamos de atitude crítica e pensamento crítico. Em outras palavras, juntando a positiva com a negativa temos: sei que não sei e quero saber. Daí, quando a atitude crítica é justa e necessária não é uma porrada, antes seria um colírio de lucidez, uma contribuição ao debate.

Mas, diferente de nos otros, diante de uma questão, Coçatura toma distância, como quem vai bater um pênalti, e parte "vapt", errou; outra vez, errou; mas na sua fisolofia pode, não é um jogo de futebol, dá pra chutar o pênalti várias vezes; o importante é, quando acertar, quebrar, destruir: Penso, logo quero quebrar. Seus discípulos já estão acostumados, vez ou outra, aparece um com algum membro quebrado, porque não soube acompanhar o mestre nas suas investigações. No entanto, engana-se quem pensa que por conta disso o fisólofo Karl Das de Jaráca é um sujeito violento. De maneira alguma, ele é um pajé de pessoa, delicado, amante das artes, de beiju (bolo de massa de mandioca ou tapioca", peixe e cachiri (bebida alcoólica). Também adora a dança do acasalamento, o que já lhe rendeu inúmeras dores de cabeça pelo seu espírito livre de ser.

De modo geral, antes das tribos do sul criarem o "pancadão", aqui no norte o nosso filho da terra Coçaturá já andava dando as suas pancadas ou porradas nos PPP's, Políticos Pilantras de Plantão, mas como ele mesmo gosta de falar, preferiria estar dando pau em outros PPP's, na Perereca da Piranha do Piracuí. Vamos esperar pra ver.

Por: Pinheiro Neto, o filho de dona Etelvina.
                                                                                                                              

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A VILA MISÉRIA I

Nos tempos da faculdade, meados dos anos 80, eu fui morar numa kitnete com uns amigos estudantes em uma vila no bairro de Educandos que chamávamos de “Vila Miséria”. A vila, se ainda existe, fica na Boulevard Sá Peixoto, uma rua que dá embaixo da ponte que liga aquele bairro ao Centro, nos fundos de uma casa branca de alvenaria em que o dono mandou construir dez kitnetes, o último do lado esquerdo era o nosso. Lá a vida era muito boa, tínhamos tudo: um colchão, uma rede, um fogão de duas bocas com botija e uma quantidade enorme de livros, baganas e garrafas de bebida espalhados por todo lado.   
Não andávamos sujos nem mal cuidados, mas não tínhamos muita preocupação com a aparência, nem com o modo de vestir; calça jeans, camiseta, tênis ou um sapato simples bastavam. A lavagem de roupas era coletiva no final de semana, mas não se achava necessário passá-las. Lavar louças e limpar a casa, aí sim era um problema, nunca ninguém tinha tempo ou “saco”. Quando não se estava na faculdade estudando, passava-se a maior parte do tempo no ócio criativo, lendo, escrevendo ou outras coisas.
Nosso “AP” tinha porta, porém não tinha tranca, ficava o tempo todo aberto, mais por amor do que por qualquer outra coisa: Aquela idéia de que amor e liberdade não carecem de limites, cercas, muros ou fronteiras. Quem ultrapassasse aquela porta passava por um “portal mágico” que levava ao desprendimento das coisas materiais e de pessoas, das vaidades e do orgulho pequeno burguês. Lembro que todos que passaram por aquela porta se tornaram cúmplices de momentos de muita felicidade. Quem chegou sem nada, ganhou o mundo; quem chegou triste, ficou alegre; quem chegou com ódio, se tornou amante; quem se achava, se perdeu; quem era sábio, aprendeu; quem buscava conhecimento, filosofou.
Muitas pessoas passaram pela Vila, pessoas que deixaram muitas saudades pela sua particular maneira de ser. Lembro do Cesar Wanderley, com aquela barba enorme e cabelos compridos, estudante de Comunicação, hoje presidente do Sindicato dos Jornalistas; do camarada Adenilton Pinto, o sarará lourinho dos olhos verdes, filho da dona Adelaide, atualmente no Conselho de Educação; do Carlos Araújo, apelido “seringueiro”, com seu espanhol aculturado, e agora assessor de comunicação do SESC; do guerrilheiro Adelcy, defensor do socialismo e da luta armada, mas que nunca atirou ou se filiou a algum partido, hoje defensor da paz mundial; do Carioca e do Sérgio, agentes da polícia civil, que adoravam pagode; do Guto “Baila”, bailarino que hoje dança nas melhores companhias do Brasil; e muitos outros que a lembrança ficará para breves oportunidades.
Só uma lembrança triste daqueles tempos. Quando senhores que se diziam defensores da liberdade e da igualdade, aproveitando-se da nossa ausência, entraram no nosso lar e levaram os bens mais preciosos que possuíamos: nossos livros. Não se trata aqui de defender a propriedade privada, mas o respeito. Os livros, como qualquer outra coisa que tínhamos, poderiam ser utilizados por quem precisasse, bastava solicitar, comunicar a sua necessidade, que estávamos prontos a atender.
Fui à casa do chefe dos canalhas para dizer que não precisavam fazer aquilo, bastava pedir os livros, mas que depois os devolvessem para que outros pudessem usufruir da leitura, e não levá-los para fazer parte da sua biblioteca particular - creio que para eles mais por vaidade do que por vontade de lê-los. Sabíamos que nas mãos dos canalhas os livros ficariam nas estantes entregues às traças. Fui agredido e mandado embora pela corja. Saí de lá convicto de que a Vila Miséria era o lugar mais feliz do mundo, o mais rico em amor, ternura e carinho, mas como diz a velha palavra de ordem “a luta continua, companheiro”.
* Zé Erê, comedor de Jaraqui

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

LEITURAS E LEITURAS*

Ler Melhora as pessoas? Há quem não dê garantia absoluta. A filósofa alemã Hannah Arendt já disse (A Vida do Espírito) que leitores refinados estiveram no comando de muitos campos de concentração nazistas. O argentino Alberto Manguel lembra do professor que o instigou a ser escritor, mas se revelou um dedo-duro da ditadura argentina. Ler é uma possibilidade de abertura às experiências que ainda não vivemos na pele. Em si, nem sempre nos melhora. Pois o que faremos com ela é da nossa alçada.

Hoje já se sabe que não há leitura “certa” ou “errada”, há gradações. Um texto pode ganhar significações nem sempre previstas pelo autor. Pois circula, é lido em contextos e épocas distintos. Já é hegemônica (está nos Parâmetros Curriculares, de 1998) a idéia da leitura como fruição e do leitor como construtor de sentidos do texto. A leitura pressupõe cruzamento de saberes e experiências do leitor com saberes propostos pelo texto, como disse Ingedore Koch, da Unicamp. Todo texto traz coisas implícitas. Como se chega ao que está oculto nele? Ligando o que está no texto ao nosso saber prévio, diz Ingedore. O leitor com pouco conhecimento fará leitura mais rasa. Se sua experiência de vida e de leitura for maior, mais a fundo ele chega. O drama atual é levar essa noção a suas conseqüências: as ações cotidianas devem realizar na prática a idéia de leitura como interação – ler para entender o mundo, não a intenção de um autor. Muita gente admite que o leitor não é um ser isolado do mundo. Elogia a leitura que enfatiza a fruição. Mas, no vamovê, limita-se a exigir do leitor o projeto de escrita proposto pelo autor. Ou tenta controlar o que ele lê.

A leitura, ato solitário que requer concentração, feita hoje numa sociedade da distração, em que a irreflexão e a precipitação de juízos dominam. Parar para pensar e para ler dá trabalho (Platão: pensar é o diálogo silencioso de si consigo mesmo). Ler pode nos melhorar, mas antes exige esforço de querer parar para pensar. Esforço genuíno de liberdade.

*Adaptado de: Luiz Costa Pereira Junior, editor. Revista Língua Portuguesa, Ed. Segmento, Ano 5 – Nº. 63, São Paulo, janeiro de 2011.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O MACACO DE IMITAÇÃO

Era um tempo em que não havia internet, portanto, não poderia haver também sites de relacionamentos para as pessoas exporem “seus” pensamentos, “sua” maneira de ser. Por isso, quando alguém queria copiar ou imitar uma pessoa, uma idéia ou qualquer outra coisa aqui em Manaus, só poderia através das informações dos jornais, dos livros, da TV ou observando o jeito de se vestir, de falar ou de se comportar de alguém. Então, quando se percebia, claramente, que era uma imitação descarada, se dizia “é um macaco de imitação”. E quando se queria “passar um trote”, usava-se o telefone convencional, se passando por..., imitando a voz de..., e por aí vai.
Hoje vivesse a era da cópia, da fotocópia, do plágio, da pirataria, da imitação barata, que acabam com os direitos autorais. Mas não se trata aqui de se discutir esta questão, mas observar o que aconteceu ontem numa escola particular da Zona Oeste desta cidade, que mobilizou ontem um grupo de elite das tropas da Polícia Militar a monitorar a entrada dos alunos. Aconteceu que uma ameaça – via internet - supostamente feita por um aluno de treze anos, fã das páginas de conteúdo nazista num site de relacionamento, faria um atentado na escola, causou pânico entre os pais dos alunos. Supõe-se que a ameaça veio de outro site de relacionamento: um outro aluno criou um falso perfil e espalhou esse boato.
Mil desculpas a espécie dos macacos por esta analogia com a imitação da espécie homem. O homem é que é responsável pela criação do “macaco de imitação”. Tudo começou nos circos, quando se vestia os macacos com roupas e os faziam se comportar como se fossem humanos, tudo para fomentar o riso dos espectadores. Mal sabem que acham graça de si mesmos. Nós somos os verdadeiros “macacos de imitação”; vivemos imitando uns aos outros.
Fatos recentes de chacinas em escolas acontecidos em outros lugares do mundo chegam à velocidade das informações via satélite, vapt-vupt. Por isso, deve-se tomar todo cuidado com os loucos imitadores de outros loucos, que podem realmente cometer atentados terrorista; como, também, repudiar o “trote” via internet, que pode refletir infantilidade no caso de um menino de 13 anos; e, se maior de idade, que pena, falta amadurecimento.
Na vida real o “macaco de imitação”, no cinema o “Planeta dos Macacos: A Origem”. No cinema, um cientista trabalha em um laboratório, onde são realizados experiências com macacos. Ele está interessado em descobrir novos medicamentos para a cura do mal de Alzheimer, já que seu pai sofre da doença. Ao seu lado conta com a ajuda de uma especialista em primatas. As experiências realizadas fazem com que a inteligência dos macacos aumente bastante, ao ponto deles escaparem de suas gaiolas e enfrentarem os humanos pelo controle da Terra. Quem está imitando quem nessa história? O que constata a inteligência: a fuga da gaiola ou o enfrentamento dos humanos pelo controle da Terra? Parece piada, estamos sempre nos enfrentando, controlando e destruindo o planeta, mas continuamos fazendo de conta que não é problema nosso. Como dizia o personagem “macaco” num antigo programa de televisão o “viva o gordo”: o culpado sempre é o macaco.
A pergunta que fica é: quando vamos dar sinal de inteligência, quando vamos sair da nossa gaiola, não para nos enfrentarmos e controlar a Terra, mas para compartilhar, amar e respeitar nosso semelhante?

João Pinheiro Neto é filho de dona Etelvina
            

terça-feira, 30 de agosto de 2011

UMA DE DOIDO


Outro dia li que um estadunidense com o intuito de pesquisar os hospitais psiquiátricos do seu país, ele e outros se fingiram de loucos em consulta aos médicos. David Rosenhan, em 1972, se dirigiu a um hospital psiquiátrico americano alegando escutar vozes que lhe diziam as palavra “oco” “vazio” e o som “tum-tum”. Essa foi a única mentira que contou. De resto, comportou-se de maneira calma e respondeu a perguntas sobre sua vida e seus relacionamentos sem mentir uma única vez sequer. Outros oito voluntários sãos fizeram a mesma coisa, em instituições diferentes. Todos, exceto um, foram diagnosticados com esquizofrenia e internados.
Que loucura! E eu aqui querendo me aposentar. Por que não como louco? Não que eu não goste do que faço – sou educador. Mas estou cansado de não ser valorizado como professor, recebendo um salário medíocre que não condiz com o tempo de dedicação aos estudos e a responsabilidade de formar cidadãos responsáveis, competentes e críticos. E, se não bastasse, com um sindicato da categoria que virou subseção de partido político, atrelado ao poder, vendido, antidemocrático – há muito tempo vem manipulando as eleições para a entidade.
Acho que não vou precisar me fingir de louco. Do jeito que tratam o professor neste país acabarei mesmo louco, doido varrido. Igual ao meu amigo Lula Lelé da Cuca, professor de Física, que todos chamam carinhosamente de doido por conta do seu comportamento excêntrico. Ele é alto, gordo, comilão, fala gritando e cuspindo, é careca e não tem o hábito de andar limpo; diz que possui vários apartamentos alugados na Ponta Negra, mas vive emprestando o celular dos outros, nunca compra crédito para o dele; e a todo o momento reclama do salário. Até aí tudo bem, mas consultar várias vezes compulsivamente o “Portal do Servidor” – site do governo – pra ver seu contracheque, que se sabe não vai aumentar nem diminuir, é muito estranho.
Foi pensando nisso que tive a brilhante idéia de dar uma de doido na escola onde trabalho. Assim, conseguiria mostrar que estava perdendo o juízo, e, logo logo conseguiria da gestora da escola um encaminhamento para à Junta Médica da Secretaria para ser avaliado. E lá era só fazer o que todo doido faz, doidice. Aposentar-me como louco. Mas, que tipo de doidice fazer? Pensei em falar que estou ouvindo vozes que me dizem as palavras tipo “solta” “libera” e o som “pum-pum”, eh eh eh nada original.
Mas tudo isto é loucura. Com que autoridade eu me coloco como mentalmente são e meu amigo Lula um doido? Talvez o louco, ao contrário, seja eu. Será possível que um louco tenha consciência de sua loucura? Ou, seria isso já o reflexo de minha insanidade? Sei lá! Mas eu lembro que meu amigo, o artista plástico, Arnaldo Garcez, certa vez disse “a minha loucura é meu excesso de lucidez”. Pode ser que eu esteja tão lúcido que pareço estar louco?
Será que as características que levam alguém a ser tachado de louco estão no sujeito ou estão no ambiente e contexto em que o observador está inserido? Homens cujo estado de espírito difere drasticamente da média dos demais existem desde as épocas mais remotas – assim como tratamentos para curá-los. No entanto, por séculos, acreditava-se que a loucura era causada pela vontade dos deuses sendo, portanto, parte do destino de alguns. Fosse para punir ou até mesmo para recompensar – o Alcorão conta que Maomé achava veneráveis os loucos, já que tinham sido abençoados com loucura por Alá, que lhes tirava o juízo para que não pecassem - fato é que a loucura estava associada com a idéia de destino e participava da vida social assim como outras formas de percepção da realidade.
Então, Alá badique, ia sidi!* E para mim o Inferno.

                                                           *Em árabe: Deus vos conduza, senhor!

É SURDO, ENTENDE MAL, É SIMPATIZANTE OU É HOMÓFOBO


Fazia muito calor naquela noite de agosto em Manaus, a cidade de uma região onde há apenas duas estações: a quente-quente e a quente-chuva. A sala de aula estava completa, ninguém tinha faltado, eram cinqüenta e dois alunos mais o professor. E, para completar o quadro, o ar condicionado não estava dando conta de amenizar o calor. A aula também era quente, o tema era a Revolução Francesa; e o professor, empolgado, tentava explicar a crise econômica e social na França do século XVIII.
De repente, não mais do que de repente, eis que aparece na porta da sala uma aluna de outra turma, que por ter sempre a atenção do professor, resolveu interromper-lhe a aula para perguntar se ele sabia onde poderia encontrar uma lixa. Ao que o professor respondeu prontamente, ou melhor, chamou prontamente o aluno Jú que sentava lá no fundo da sala, para que viesse atender alguém que estava lhe procurando. Jú, que não esconde sua opção sexual gay veio daquele jeito que só ele e mais um monte de seus amigos sabem andar: saltitando como uma gazela no cio, jogando a cabeça de um lado para o outro. Quando ele chegou à porta a aluna tomou um susto e retrucou: - não professor! Eu disse lixa. A professora de artes passou uma tarefa de pintar lixa com lápis de cera. O professor com um leve sorriso pediu desculpas aos dois. Ao que Jú falou: - Nada professor, imagina. E voltou para o seu lugar desfilando como se estivesse numa passarela.
Não ficou claro se o professor tinha entendido “onde poderia encontrar uma bicha”. Mas o que confundiu o professor? Será que ele é surdo, entende mal, é simpatizante ou homófobo? Porque se estava querendo, apenas, “zoar” com o Jú, deve haver algo que o motive a tal procedimento. Se o motivo foi o ódio, o preconceito ou a repugnância, talvez ele guarde lá no fundo da sua mente – no inconsciente - esta fobia, e o motivo seria porque não definiu completamente sua identidade sexual, o que gera dúvidas, angústias e certa revolta, que são transferidas para os que têm essa preferência sexual. Por exemplo, ao contrário, quando uma “bicha” ataca as mulheres chamando-as de “rachadas”, “feias”, “burras” ou caluniando-as é porque esconde as suas mágoas, seus recalques por tudo aquilo que a mulher é, ou seja, o que ele gostaria de ser e ter – o sexo feminino. Assim acontece com muitos homófobos que são “bichas encubadas” e por não assumirem conscientemente sua(s) preferência(s) sexual(ais) tentam negar a sua sexualidade atacando os homossexuais. Muitos até chegam a contrair matrimônio com uma mulher e formar uma família, sem jamais assumir seu lado gay.
 No amor existe sexualidade, mas não é uma questão de gênero: o amor pode acontecer entre um homem e uma mulher, entre dois homens, entre duas mulheres; como também pode acontecer entre vários homens e mulheres, ou seja, você pode amar vários indivíduos ao mesmo tempo. 
Então, qual é moral disso tudo? Marx afirmava que os valores da moral vigente – liberdade, felicidade, racionalidade, respeito à subjetividade e à humanidade de cada um, etc. – eram hipócritas não em si mesmos (como julgava Nietzsche), mas porque eram irrealizáveis e impossíveis numa sociedade violenta como a nossa, baseada na exploração do trabalho, na desigualdade social e econômica, na exclusão de uma parte da sociedade dos direitos políticos e culturais. Assim, Marx passa a idéia de que é impossível em uma sociedade como a nossa haver soluções efetivas contrárias aos preconceitos e discriminações enquanto as bases que a sustentam não mudarem.
Enquanto isso... o professor... é viado...



É Nois!



Era apenas um jogo e o time dele ganhou, ao passar perto do seu professor não conteve o orgulho, bateu no peito e lhe disse “é professor, conosco ninguém podemos”. Foi naquele momento que o mestre pensou: são milhares de anos de evolução e o homem desenvolveu formas de comunicação para expressar seus pensamentos, sentimentos e desejos. Mas será que no começo de tudo havia a preocupação com as regras formais da comunicação e expressão? Quem sabe no começo de tudo havia apenas a necessidade de se fazer entender? As regras e normas da comunicação e expressão teriam vindo depois com o desenvolvimento sócio-cultural?
A língua falada é uma das inúmeras formas de comunicação e expressão, mas com certeza no principio, antes da sua invenção, os seres humanos se comunicavam apenas por gestos, grunhidos e caretas na tentativa de se fazer entender. Se o homem tentou se comunicar-expressar isso significa que antes de expor seus sentimentos, desejos e necessidades ele “pensou” nessa possibilidade. É..., o homem “pensou”, mas isso quer dizer que antes de ter a forma do pensamento, a linguagem, ele de alguma maneira em seu cérebro primitivo construiu um pensamento? Por exemplo, um animal ao rosnar (o cão e outros animais), um som surdo indicativo de raiva ou de prenúncio de ataque, de certa forma quer dizer, falar por entre os dentes, que está contrariado. Outros animais gritam...berram, quando estão sentindo dor, ou, pulam...ficam saltitando quando estão “felizes”, o instinto e a gênese do pensamento se misturam. Hoje nas comemorações os seres humanos também pulam, berram, gritam, cantam, escrevem, isto é, inventam diversas maneiras de demonstrar suas alegrias e tristezas.
Para chamar atenção ou não o som é importante e foi importante no início da comunicação. Talvez os seres humanos tenham começado imitando os sons da natureza ou reproduzido oralmente o sons produzidos por eles mesmos. Assim, alguns sons transformaram-se em falas, por exemplo: o barulho de uma pancada pode ter virado um som articulado oralmente como “pá”, “pow”, “thum”; assim como uma explosão pode ter virado “bang”; o trovão, “brum”; a água, chuá; um peido, “pum”; etc. E todos esses sons eram ou são, não necessariamente, acompanhados por gestos.
Vive-se hoje a era da velocidade, onde tudo acontece com rapidez quase que absurda em todos os campos da ação humana. O homem busca a velocidade na hora de se transportar, no trabalho, na comunicação e em tudo mais. Importa aqui destacar a velocidade com que atualmente as pessoas tentam se comunicar, com o mínimo de palavras, sinais gráficos (ou digitais). Ontem quando se queria ir naquele momento falava-se “vamos em boa hora”, o tempo passou e virou “vamos embora”, mas a necessidade de se fazer entender com maior rapidez, economizando tempo e espaço, levou a “vumbora”, “bora”. Na internet beijos virou “bjs”, também virou “tbm”, você é “vc”, valeu é “vlw”, beleza é “blz”, falou é “flw”, adicionar ou adiciona é “adc”, e por aí vai.
“Conosco ninguém podemos”, falta concordância, mas pelo menos ele tentou dizer que do seu time ninguém pode ganhar; outros poderiam apenas dizer “é nois”, “é nois” o quê? O resto da comunicação ficaria por conta da mensagem telepática que, com certeza, é enviada pelas ondas cerebrais. Quem sabe aquele simples olhar, a flexão de cabeça, o gesto de positivo com as mãos, escondam mais significados do que pode sonhar nossa vã filologia. Nós estamos... bati a mão aberta sobre a outra fechada.



         *João Pinheiro Neto é filósofo.