Ler Melhora as pessoas? Há quem não dê garantia absoluta. A filósofa alemã Hannah Arendt já disse (A Vida do Espírito) que leitores refinados estiveram no comando de muitos campos de concentração nazistas. O argentino Alberto Manguel lembra do professor que o instigou a ser escritor, mas se revelou um dedo-duro da ditadura argentina. Ler é uma possibilidade de abertura às experiências que ainda não vivemos na pele. Em si, nem sempre nos melhora. Pois o que faremos com ela é da nossa alçada.
Hoje já se sabe que não há leitura “certa” ou “errada”, há gradações. Um texto pode ganhar significações nem sempre previstas pelo autor. Pois circula, é lido em contextos e épocas distintos. Já é hegemônica (está nos Parâmetros Curriculares, de 1998) a idéia da leitura como fruição e do leitor como construtor de sentidos do texto. A leitura pressupõe cruzamento de saberes e experiências do leitor com saberes propostos pelo texto, como disse Ingedore Koch, da Unicamp. Todo texto traz coisas implícitas. Como se chega ao que está oculto nele? Ligando o que está no texto ao nosso saber prévio, diz Ingedore. O leitor com pouco conhecimento fará leitura mais rasa. Se sua experiência de vida e de leitura for maior, mais a fundo ele chega. O drama atual é levar essa noção a suas conseqüências: as ações cotidianas devem realizar na prática a idéia de leitura como interação – ler para entender o mundo, não a intenção de um autor. Muita gente admite que o leitor não é um ser isolado do mundo. Elogia a leitura que enfatiza a fruição. Mas, no vamovê, limita-se a exigir do leitor o projeto de escrita proposto pelo autor. Ou tenta controlar o que ele lê.
A leitura, ato solitário que requer concentração, feita hoje numa sociedade da distração, em que a irreflexão e a precipitação de juízos dominam. Parar para pensar e para ler dá trabalho (Platão: pensar é o diálogo silencioso de si consigo mesmo). Ler pode nos melhorar, mas antes exige esforço de querer parar para pensar. Esforço genuíno de liberdade.
*Adaptado de: Luiz Costa Pereira Junior, editor. Revista Língua Portuguesa, Ed. Segmento, Ano 5 – Nº. 63, São Paulo, janeiro de 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário