Outro dia li que um estadunidense com o intuito de pesquisar os hospitais psiquiátricos do seu país, ele e outros se fingiram de loucos em consulta aos médicos. David Rosenhan, em 1972, se dirigiu a um hospital psiquiátrico americano alegando escutar vozes que lhe diziam as palavra “oco” “vazio” e o som “tum-tum”. Essa foi a única mentira que contou. De resto, comportou-se de maneira calma e respondeu a perguntas sobre sua vida e seus relacionamentos sem mentir uma única vez sequer. Outros oito voluntários sãos fizeram a mesma coisa, em instituições diferentes. Todos, exceto um, foram diagnosticados com esquizofrenia e internados.
Que loucura! E eu aqui querendo me aposentar. Por que não como louco? Não que eu não goste do que faço – sou educador. Mas estou cansado de não ser valorizado como professor, recebendo um salário medíocre que não condiz com o tempo de dedicação aos estudos e a responsabilidade de formar cidadãos responsáveis, competentes e críticos. E, se não bastasse, com um sindicato da categoria que virou subseção de partido político, atrelado ao poder, vendido, antidemocrático – há muito tempo vem manipulando as eleições para a entidade.
Acho que não vou precisar me fingir de louco. Do jeito que tratam o professor neste país acabarei mesmo louco, doido varrido. Igual ao meu amigo Lula Lelé da Cuca, professor de Física, que todos chamam carinhosamente de doido por conta do seu comportamento excêntrico. Ele é alto, gordo, comilão, fala gritando e cuspindo, é careca e não tem o hábito de andar limpo; diz que possui vários apartamentos alugados na Ponta Negra, mas vive emprestando o celular dos outros, nunca compra crédito para o dele; e a todo o momento reclama do salário. Até aí tudo bem, mas consultar várias vezes compulsivamente o “Portal do Servidor” – site do governo – pra ver seu contracheque, que se sabe não vai aumentar nem diminuir, é muito estranho.
Foi pensando nisso que tive a brilhante idéia de dar uma de doido na escola onde trabalho. Assim, conseguiria mostrar que estava perdendo o juízo, e, logo logo conseguiria da gestora da escola um encaminhamento para à Junta Médica da Secretaria para ser avaliado. E lá era só fazer o que todo doido faz, doidice. Aposentar-me como louco. Mas, que tipo de doidice fazer? Pensei em falar que estou ouvindo vozes que me dizem as palavras tipo “solta” “libera” e o som “pum-pum”, eh eh eh nada original.
Mas tudo isto é loucura. Com que autoridade eu me coloco como mentalmente são e meu amigo Lula um doido? Talvez o louco, ao contrário, seja eu. Será possível que um louco tenha consciência de sua loucura? Ou, seria isso já o reflexo de minha insanidade? Sei lá! Mas eu lembro que meu amigo, o artista plástico, Arnaldo Garcez, certa vez disse “a minha loucura é meu excesso de lucidez”. Pode ser que eu esteja tão lúcido que pareço estar louco?
Será que as características que levam alguém a ser tachado de louco estão no sujeito ou estão no ambiente e contexto em que o observador está inserido? Homens cujo estado de espírito difere drasticamente da média dos demais existem desde as épocas mais remotas – assim como tratamentos para curá-los. No entanto, por séculos, acreditava-se que a loucura era causada pela vontade dos deuses sendo, portanto, parte do destino de alguns. Fosse para punir ou até mesmo para recompensar – o Alcorão conta que Maomé achava veneráveis os loucos, já que tinham sido abençoados com loucura por Alá, que lhes tirava o juízo para que não pecassem - fato é que a loucura estava associada com a idéia de destino e participava da vida social assim como outras formas de percepção da realidade.
Então, Alá badique, ia sidi!* E para mim o Inferno.
*Em árabe: Deus vos conduza, senhor!