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terça-feira, 30 de agosto de 2011

UMA DE DOIDO


Outro dia li que um estadunidense com o intuito de pesquisar os hospitais psiquiátricos do seu país, ele e outros se fingiram de loucos em consulta aos médicos. David Rosenhan, em 1972, se dirigiu a um hospital psiquiátrico americano alegando escutar vozes que lhe diziam as palavra “oco” “vazio” e o som “tum-tum”. Essa foi a única mentira que contou. De resto, comportou-se de maneira calma e respondeu a perguntas sobre sua vida e seus relacionamentos sem mentir uma única vez sequer. Outros oito voluntários sãos fizeram a mesma coisa, em instituições diferentes. Todos, exceto um, foram diagnosticados com esquizofrenia e internados.
Que loucura! E eu aqui querendo me aposentar. Por que não como louco? Não que eu não goste do que faço – sou educador. Mas estou cansado de não ser valorizado como professor, recebendo um salário medíocre que não condiz com o tempo de dedicação aos estudos e a responsabilidade de formar cidadãos responsáveis, competentes e críticos. E, se não bastasse, com um sindicato da categoria que virou subseção de partido político, atrelado ao poder, vendido, antidemocrático – há muito tempo vem manipulando as eleições para a entidade.
Acho que não vou precisar me fingir de louco. Do jeito que tratam o professor neste país acabarei mesmo louco, doido varrido. Igual ao meu amigo Lula Lelé da Cuca, professor de Física, que todos chamam carinhosamente de doido por conta do seu comportamento excêntrico. Ele é alto, gordo, comilão, fala gritando e cuspindo, é careca e não tem o hábito de andar limpo; diz que possui vários apartamentos alugados na Ponta Negra, mas vive emprestando o celular dos outros, nunca compra crédito para o dele; e a todo o momento reclama do salário. Até aí tudo bem, mas consultar várias vezes compulsivamente o “Portal do Servidor” – site do governo – pra ver seu contracheque, que se sabe não vai aumentar nem diminuir, é muito estranho.
Foi pensando nisso que tive a brilhante idéia de dar uma de doido na escola onde trabalho. Assim, conseguiria mostrar que estava perdendo o juízo, e, logo logo conseguiria da gestora da escola um encaminhamento para à Junta Médica da Secretaria para ser avaliado. E lá era só fazer o que todo doido faz, doidice. Aposentar-me como louco. Mas, que tipo de doidice fazer? Pensei em falar que estou ouvindo vozes que me dizem as palavras tipo “solta” “libera” e o som “pum-pum”, eh eh eh nada original.
Mas tudo isto é loucura. Com que autoridade eu me coloco como mentalmente são e meu amigo Lula um doido? Talvez o louco, ao contrário, seja eu. Será possível que um louco tenha consciência de sua loucura? Ou, seria isso já o reflexo de minha insanidade? Sei lá! Mas eu lembro que meu amigo, o artista plástico, Arnaldo Garcez, certa vez disse “a minha loucura é meu excesso de lucidez”. Pode ser que eu esteja tão lúcido que pareço estar louco?
Será que as características que levam alguém a ser tachado de louco estão no sujeito ou estão no ambiente e contexto em que o observador está inserido? Homens cujo estado de espírito difere drasticamente da média dos demais existem desde as épocas mais remotas – assim como tratamentos para curá-los. No entanto, por séculos, acreditava-se que a loucura era causada pela vontade dos deuses sendo, portanto, parte do destino de alguns. Fosse para punir ou até mesmo para recompensar – o Alcorão conta que Maomé achava veneráveis os loucos, já que tinham sido abençoados com loucura por Alá, que lhes tirava o juízo para que não pecassem - fato é que a loucura estava associada com a idéia de destino e participava da vida social assim como outras formas de percepção da realidade.
Então, Alá badique, ia sidi!* E para mim o Inferno.

                                                           *Em árabe: Deus vos conduza, senhor!

É SURDO, ENTENDE MAL, É SIMPATIZANTE OU É HOMÓFOBO


Fazia muito calor naquela noite de agosto em Manaus, a cidade de uma região onde há apenas duas estações: a quente-quente e a quente-chuva. A sala de aula estava completa, ninguém tinha faltado, eram cinqüenta e dois alunos mais o professor. E, para completar o quadro, o ar condicionado não estava dando conta de amenizar o calor. A aula também era quente, o tema era a Revolução Francesa; e o professor, empolgado, tentava explicar a crise econômica e social na França do século XVIII.
De repente, não mais do que de repente, eis que aparece na porta da sala uma aluna de outra turma, que por ter sempre a atenção do professor, resolveu interromper-lhe a aula para perguntar se ele sabia onde poderia encontrar uma lixa. Ao que o professor respondeu prontamente, ou melhor, chamou prontamente o aluno Jú que sentava lá no fundo da sala, para que viesse atender alguém que estava lhe procurando. Jú, que não esconde sua opção sexual gay veio daquele jeito que só ele e mais um monte de seus amigos sabem andar: saltitando como uma gazela no cio, jogando a cabeça de um lado para o outro. Quando ele chegou à porta a aluna tomou um susto e retrucou: - não professor! Eu disse lixa. A professora de artes passou uma tarefa de pintar lixa com lápis de cera. O professor com um leve sorriso pediu desculpas aos dois. Ao que Jú falou: - Nada professor, imagina. E voltou para o seu lugar desfilando como se estivesse numa passarela.
Não ficou claro se o professor tinha entendido “onde poderia encontrar uma bicha”. Mas o que confundiu o professor? Será que ele é surdo, entende mal, é simpatizante ou homófobo? Porque se estava querendo, apenas, “zoar” com o Jú, deve haver algo que o motive a tal procedimento. Se o motivo foi o ódio, o preconceito ou a repugnância, talvez ele guarde lá no fundo da sua mente – no inconsciente - esta fobia, e o motivo seria porque não definiu completamente sua identidade sexual, o que gera dúvidas, angústias e certa revolta, que são transferidas para os que têm essa preferência sexual. Por exemplo, ao contrário, quando uma “bicha” ataca as mulheres chamando-as de “rachadas”, “feias”, “burras” ou caluniando-as é porque esconde as suas mágoas, seus recalques por tudo aquilo que a mulher é, ou seja, o que ele gostaria de ser e ter – o sexo feminino. Assim acontece com muitos homófobos que são “bichas encubadas” e por não assumirem conscientemente sua(s) preferência(s) sexual(ais) tentam negar a sua sexualidade atacando os homossexuais. Muitos até chegam a contrair matrimônio com uma mulher e formar uma família, sem jamais assumir seu lado gay.
 No amor existe sexualidade, mas não é uma questão de gênero: o amor pode acontecer entre um homem e uma mulher, entre dois homens, entre duas mulheres; como também pode acontecer entre vários homens e mulheres, ou seja, você pode amar vários indivíduos ao mesmo tempo. 
Então, qual é moral disso tudo? Marx afirmava que os valores da moral vigente – liberdade, felicidade, racionalidade, respeito à subjetividade e à humanidade de cada um, etc. – eram hipócritas não em si mesmos (como julgava Nietzsche), mas porque eram irrealizáveis e impossíveis numa sociedade violenta como a nossa, baseada na exploração do trabalho, na desigualdade social e econômica, na exclusão de uma parte da sociedade dos direitos políticos e culturais. Assim, Marx passa a idéia de que é impossível em uma sociedade como a nossa haver soluções efetivas contrárias aos preconceitos e discriminações enquanto as bases que a sustentam não mudarem.
Enquanto isso... o professor... é viado...



É Nois!



Era apenas um jogo e o time dele ganhou, ao passar perto do seu professor não conteve o orgulho, bateu no peito e lhe disse “é professor, conosco ninguém podemos”. Foi naquele momento que o mestre pensou: são milhares de anos de evolução e o homem desenvolveu formas de comunicação para expressar seus pensamentos, sentimentos e desejos. Mas será que no começo de tudo havia a preocupação com as regras formais da comunicação e expressão? Quem sabe no começo de tudo havia apenas a necessidade de se fazer entender? As regras e normas da comunicação e expressão teriam vindo depois com o desenvolvimento sócio-cultural?
A língua falada é uma das inúmeras formas de comunicação e expressão, mas com certeza no principio, antes da sua invenção, os seres humanos se comunicavam apenas por gestos, grunhidos e caretas na tentativa de se fazer entender. Se o homem tentou se comunicar-expressar isso significa que antes de expor seus sentimentos, desejos e necessidades ele “pensou” nessa possibilidade. É..., o homem “pensou”, mas isso quer dizer que antes de ter a forma do pensamento, a linguagem, ele de alguma maneira em seu cérebro primitivo construiu um pensamento? Por exemplo, um animal ao rosnar (o cão e outros animais), um som surdo indicativo de raiva ou de prenúncio de ataque, de certa forma quer dizer, falar por entre os dentes, que está contrariado. Outros animais gritam...berram, quando estão sentindo dor, ou, pulam...ficam saltitando quando estão “felizes”, o instinto e a gênese do pensamento se misturam. Hoje nas comemorações os seres humanos também pulam, berram, gritam, cantam, escrevem, isto é, inventam diversas maneiras de demonstrar suas alegrias e tristezas.
Para chamar atenção ou não o som é importante e foi importante no início da comunicação. Talvez os seres humanos tenham começado imitando os sons da natureza ou reproduzido oralmente o sons produzidos por eles mesmos. Assim, alguns sons transformaram-se em falas, por exemplo: o barulho de uma pancada pode ter virado um som articulado oralmente como “pá”, “pow”, “thum”; assim como uma explosão pode ter virado “bang”; o trovão, “brum”; a água, chuá; um peido, “pum”; etc. E todos esses sons eram ou são, não necessariamente, acompanhados por gestos.
Vive-se hoje a era da velocidade, onde tudo acontece com rapidez quase que absurda em todos os campos da ação humana. O homem busca a velocidade na hora de se transportar, no trabalho, na comunicação e em tudo mais. Importa aqui destacar a velocidade com que atualmente as pessoas tentam se comunicar, com o mínimo de palavras, sinais gráficos (ou digitais). Ontem quando se queria ir naquele momento falava-se “vamos em boa hora”, o tempo passou e virou “vamos embora”, mas a necessidade de se fazer entender com maior rapidez, economizando tempo e espaço, levou a “vumbora”, “bora”. Na internet beijos virou “bjs”, também virou “tbm”, você é “vc”, valeu é “vlw”, beleza é “blz”, falou é “flw”, adicionar ou adiciona é “adc”, e por aí vai.
“Conosco ninguém podemos”, falta concordância, mas pelo menos ele tentou dizer que do seu time ninguém pode ganhar; outros poderiam apenas dizer “é nois”, “é nois” o quê? O resto da comunicação ficaria por conta da mensagem telepática que, com certeza, é enviada pelas ondas cerebrais. Quem sabe aquele simples olhar, a flexão de cabeça, o gesto de positivo com as mãos, escondam mais significados do que pode sonhar nossa vã filologia. Nós estamos... bati a mão aberta sobre a outra fechada.



         *João Pinheiro Neto é filósofo.